Luís de Matos com um jogo de mãos, uma cartola e uma assistente fez magia em Portugal durante os anos 90 e inícios de 2000. Abracadabra e as coisas desapareciam e apareciam em lugares inóspitos. Magia, dizem. A verdadeira magia acontece num relvado, com 11 contra 11, num estádio e com a verdadeira força motriz por detrás do futebol: os adeptos. Não há qualquer desporto que se assemelhe ao que se vive no futebol. Hoje, dia 8 de Maio de 2017, dia da Mãe, o Belenenses quebrou um ciclo negativo de 7(!) derrotas seguidas, numa casa onde já não ganhava há 62 anos e marcou pela primeira vez 3 golos nesta edição da Liga NOS, depois de uma semana das mais conturbadas dos últimos anos. Se isto não representa a magia do desporto, o que significa, então? Faltaram adeptos, mas as vicissitudes assim o exigem e a mensagem que passaram ontem foi mais do que essencial para o que será construído amanhã. Que seja uma das últimas páginas de um capítulo negro de uma das mais bonitas histórias de um clube português.
O Belenenses começou o jogo com tracção atrás. João Diogo voltou a ser extremo, Camará voltou a ser titular e Dinis Almeida substituiu Domingos Duarte, que está impedido de jogar em virtude da sua situação contratual. O Sporting tinha as baixas de Podence, Gelson e Alan Ruiz, que foram supridas por Bryan Ruiz e Matheus Pereira. A turma do Restelo mostrou-se muito competente a defender, sobretudo no meio-campo. Linhas compactas, pouca liberdade a Adrien e William e um miolo reforçado que não permitia grandes veleidades ofensivas aos da casa. O grande problema foram as alas. Edgar Ié atacou bem, mas na hora de defender deu muito espaço à Matheus Pereira que, caso fosse Gelson, podia ter feito coisas piores. Os contra-ataques do Belenenses eram feitos com poucos homens. Camará mal tocou na bola ou conseguiu sequer perturbar Coates e Paulo Oliveira, Juanto também mal se viu, cabendo a André Sousa e Vítor Gomes a missão chave das transições ofensivas. Ventura participava muito na construção ofensiva, com vários passes curtos que podiam ter corrido mal. O “chutão” para a frente só era utilizado em caso de recurso, mas fez falta uma melhor ligação entre sectores, para desmontar a equipa adversária. O Sporting não teve qualquer ocasião de golo e os azuis tiveram nas arrancadas de Ié o mais perigosos dos primeiros 45 minutos. Coesão defensiva foi o trunfo de Domingos, que montou bem a equipa na altura de defender, pecando apenas nos momentos ofensivos.
A 2ª parte iniciou-se da pior forma. Os leões vieram galvanizados, com mais fulgor ofensivo e com uma acutilância diferente da habitual. Um cruzamento de Bryan Ruiz que embateu na trave e traiu Ventura – mal batido no lance – permitiu a Bruno César inaugurar o marcador aos 52 minutos. O Belenenses não se retraiu e com a entrada de Maurides a equipa foi ganhando mais poder de ataque, utilizando o avançado brasileiro para as triangulações ofensivas. Aos 65 minutos um dos momentos do jogo. Cruzamento da direita e Matheus Pereira põe a mão à bola fazendo um claro penálti. Contra as indicações de Domingos, Abel Camará pegou na bola e converteu ele mesmo a grande penalidade (65′) indo festejar com raiva perante os adeptos do Belenenses. Atitude errada do outrora capitão de equipa. O jogo prosseguiu e a turma de Jorge Jesus nunca conseguiu acercar-se com perigo da baliza de Ventura, que até deu um “brinde” a Castaignos que falhou clamorosamente. Mica Pinto e Benny foram escolhidos para ajudar a conservar um empate importante. Menos displicência nos passes, menos jogo pelas alas e um bom aproveitamento da posição central de Maurides para criar lances de igualdade numérica no meio-campo leonino, foi assim que os azuis evoluíram no segundo tempo. De bola parada e com uma grande assistência do ex-junior Benny, o Belenenses a marcar o 2-1 por Dinis Almeida (85′), que aproveitou da melhor forma o excelente livre. O coração estava nas mãos, a equipa desdobrava-se bem, mas tinha sempre cautelas defensivas, estando sobretudo atenta ao desinspirado Bas Dost, que foi anulado pelos centrais azuis durante todo o encontro. Aos 88 minutos, numa excelente jogada de entendimento, Maurides assistiria Gonçalo Silva que, perante uma baliza vazia, atiraria para o 3-1. Estava feito o resultado final e imposta a justiça no marcador. O emblema da Cruz de Cristo aproveitou as veleidades defensivas dos verdes e brancos e, ao contrário do que aconteceu nas últimas 31 jornadas, foi eficaz. A chave esteve, como temos frisado ao longo dos rescaldos, na eficácia e na coesão defensiva. Compactos a defender, certeiros a atacar, eis a chave para ser bem sucedido em qualquer campo.
Em termos pontuais pouco significa a vitória e os consequentes três pontos, em termos morais, psicológicos e anímicos, ditam tudo. O borrego morreu 62 anos volvidos desde a última vez que se tinha visto a passear-se pelo bairro de Alvalade. Uma casa a arder, com vários bombeiros de volta dela com baldes de água e mangueiras, conseguiu aguentar as estacas e causar furor no futebol português a 2 jornadas do fim da Liga. Quando se têm um clube feito em cacos, são precisas pessoas que recolham os vidros e os tentem colar, não festejando contra os adeptos, mas mostrando a garra de ser Belenenses e o quão difícil isso é. Nesse aspecto, Gonçalo Silva recebe nota 10. Há magia no futebol, mas deixem que o público faça parte do espectáculo e ajude a tirar os coelhos da cartola.
“Clube do sonho também sabe navegar”.