Esta semana a Comunidade Azul marcou encontro com Roger Congil, guarda-redes de futsal do Belenenses e de quem muito se tem falado devido ao facto do seu contratonão ter sido renovado. Desde já agradecemos ao nosso entrevistado a sua simpatia, sinceridade e abertura ao responder a todas as questões que lhe foram colocadas.
Comunidade Azul – Quando somos pequenos o habitual é termos o sonho de sermos jogadores de futebol de 11. Como é que surgiu o teu interesse pelo futsal e pela baliza, em concreto?
Roger Congil – Comecei a jogar, como todos os miúdos, na rua e talvez tenha sido por isso que sempre preferi o futsal. Relativamente à minha posição, o meu irmão era jogador profissional de Andebol e o meu pai construiu-nos uma baliza no quintal. Aí o meu irmão rematava e eu tentava defender e comecei a ganhar gosto pela posição. Na rua alguém tem que ir à baliza e, para mim, sempre foi algo natural. Sempre fui muito ágil e nunca me importei em ir para lá. Quem vai à baliza joga sempre enquanto miúdos, ou então, ia sempre o gordo (risos). Mas a escolha da baliza foi fácil, é inato.
CA – É mais fácil ser guarda-redes no futsal ou no futebol 11?
RC – São coisas distintas. As balizas são completamente diferentes e o estilo também é, apesar de se verem cada vez mais guarda-redes de futebol 11 a utilizarem técnicas de futsal, como as saídas em que só se preocupam em fechar o ângulo e ser mais posicional. Mas acho que deve ser mais difícil, pelo menos, na minha opinião, ser guarda-redes de futebol 11 porque sou pequenino e a baliza cresce. (risos)
CA – Como vieste parar ao Belenenses?
RC – Na minha opinião, vim para o Belenenses, como disse ao Nuno Lopes, com alguns anos de atraso. Fiz toda a formação no Sporting e passei por clubes como o Benfica e o Odivelas. Vim parar ao Belenenses numa altura em que achava que já não era possível porque já tinha 29 anos e achava que a oportunidade já tinha passado. Houve uma altura em que havia a hipótese de vir, quando o Manuel Jorge era o treinador, mas acabou por não acontecer e quando finalmente vim até disse ao Nuno Lopes: “pronto, cheguei cá com 10 anos de atraso mas cheguei”. (risos)
CA – Quando cá chegaste o clube atravessava uma má fase, na segunda divisão e a sofrer uma reestruturação. Como foi para ti participar nessa reestruturação e fazer parte de uma equipa que viria a subir de divisão de forma categórica?
RC – Provavelmente vim para o Belenenses na pior altura do clube mas, para mim, pode ter sido a melhor altura. O Belenenses desceu de divisão e, como tal, perdeu muitos dos apoios, inclusive da massa associativa. Apesar disso, encontrei uma realidade de um clube enorme, gerido por um grupo de amigos muito forte, que criou um balneário fortíssimo. Essa equipa subiu de divisão porque tinha um balneário fantástico. Havia um misto de bons jogadores, alguns com experiência e jovens de muito valor, onde destaco o Bruno Pinto que é, na minha opinião, o melhor jogador, da faixa etária dele, a atuar em Portugal. Sou fã do Bruno Pinto! (risos)
CA – Esperavas ter subido de divisão logo no 1º ano?
RC – Sim. Era claramente um objetivo e era imperativo voltar a colocar o Belenenses na 1ª divisão que é onde merece e tem de estar sempre, independentemente das coisas correrem bem ou mal. O Belenenses é uma equipa de 1ª divisão.
CA – Como foi a sensação de terem subido de divisão, apesar de todas as circunstâncias?
RC – Foi um dia muito bom. Subimos de divisão no Algarve, longe de casa, mas com um apoio enorme. Se o Pavilhão tivesse 500 pessoas, 400 eram do Belenenses, o que nos deu muita força.
CA – Após essa época de sonho, em que ninguém esperava que subissem, jogaste na 1.ª divisão pelo Belenenses. Conta-nos de que forma é que correu a “estreia”.
RC – Essa época foi maravilhosa. A equipa era catalogada como sendo de 2.ª divisão, composta por miúdos, fraca, com um treinador inexperiente na 1.ª divisão mas a equipa surpreendeu toda a gente. O facto de ter sido menosprezada, mesmo tendo qualidade, agigantou-nos. Era uma equipa jovem mas com muita qualidade. De destacar o Pauleta, o João, um jogador ao qual pouca gente dá valor mas que, na minha opinião, é muito bom, e o Nuno Barros que por sinal, é o jogador mais antigo do plantel atual e depois, claro, o Drula que há de ser sempre o capitão do Belenenses. Foi uma equipa que se agigantou, trabalhou para isso e que, curiosamente, quando as pessoas se aperceberam da sua qualidade, passou por mais dificuldades. Porém, enquanto nos desprezaram, fizemos os nossos pontos e alcançámos os play-off.
CA – O Pavilhão Acácio Rosa é um dos recintos mais míticos do futsal português. Como é jogar com o pavilhão cheio de pessoas a apoiar-vos?
RC – Já joguei como adversário e como jogador e capitão do Belenenses e posso dizer que é muito mais fácil jogar com os adeptos a favor. É muito difícil jogar contra o Belém, no Acácio Rosa e, por isso, deveriam voltar a fazer dele o que era quando o Belenenses era, provavelmente, a melhor equipa de Portugal.
CA – Estiveste 3 anos no clube. Sentes-te um adepto?
RC – Sim. Nunca escondi e, quem me conhece sabe que a minha família é benfiquista, fui criado a conhecer o Benfica e sou benfiquista. Mas, apesar disso, aprendi a gostar do Belenenses. Sou sócio, continuarei a sê-lo e, no Futsal, sempre serei Belenenses. Sempre vibrei muito com futsal e costumava dizer que era do Benfica e que o melhor clube pelo qual tinha passado, era o Sporting. Agora já considero que o melhor clube por onde passei foi o Belenenses, que foi o que me fez sentir mais.
CA – Pode dizer-se então que o teu amor pelo Belém foi à primeira vista…
RC – Sim. A partir do momento em que cheguei e, como diz um dos diretores, Bruno Nunes, toda a gente sabe que quem é “uma vez Belenenses, Belenenses para sempre”. Ele disse-me isso muitas vezes e também me disse que um dia ia ser do Belenenses e foi isso que aconteceu.
CA – Por essa razão, a de gostares tanto do clube, foi mais difícil para ti não terem renovado contigo?
RC – Sim, foi. A minha vida, nos últimos tempos, deu uma voltas até a nível pessoal e não ter renovado foi a pior coisa que me aconteceu. Achava que não ia acontecer e queria ficar por um período longo ou até mesmo deixar de jogar cá.
CA – Tencionavas continuar por mais quantos anos?
RC – Tenho 33 anos mas, apesar disso, sinto-me bem. Considero-me um atleta, treino muito para isso, preocupo-me com a alimentação e com o que faço antes e depois dos treinos. Muito sinceramente jogar até aos 38 não seria difícil para mim.
CA – Já deste a entender que, provavelmente, não irás pendurar as “sapatilhas”…
RC – Eu achava que ia deixar de jogar aqui e, quando soube que não ia renovar, equacionei deixar de jogar mesmo, por isso e devido a problemas pessoais. Se calhar, não é isso que vai acontecer. Sinto-me capaz e, se gosto tanto da modalidade, deixar de jogar não me ia fazer bem. Não me fizeram bem os problemas pessoais, deixar de ser jogador do Belenenses e não me iria fazer bem deixar de jogar definitivamente. Seria muita coisa seguida.
CA – Porque é que a renovação não aconteceu?
RC – A minha resposta será um esclarecimento público, que sinto necessidade de fazer. Os meus colegas sabem que passei uma fase, pessoal, que mexeu muito com a minha vida, em todos os aspetos: sentimental e ter perdido o trabalho. No meio dessa turbulência toda, a única coisa que corria bem era o futsal e o facto de estar a jogar e bem. Devido a essa pressão toda não reagi da melhor forma a uma crítica do treinador. Tive um comportamento que não deveria ter tido com o treinador e, sobretudo, pelo facto de ser um amigo. Pelo que me foi dito, foi exatamente isso que levou a que o contracto não tenha sido renovado.
CA – Qual foi a crítica?
RC – Foi feita durante o jogo mas o erro é meu! O treinador pode sempre criticar um atleta, independentemente da forma e de se achar correto ou não.
CA – Ficou tudo resolvido?
RC – Ficou, claro. Fiquei uma semana sem treinar, de castigo e bem. Depois foi-me comunicado que continuaria a fazer parte do plantel, perdi a braçadeira de capitão do Belenenses, que foi lógico, o que mais me custou pois tinha orgulho em ser capitão do Belenenses e considerei-me sempre um bom capitão até ao final da época, nunca passando por cima do Tiago, que é outra pessoa realmente importante para mim, neste clube. Perder a braçadeira, naquela altura, foi muito forte mas como foi uma altura de muita confusão pessoal, não aceitei bem aquela crítica. As minhas desculpas públicas ao Teixeira porque ele não merecia a minha reação.
CA – Achas que te falta alguma coisa na carreira?
RC – Joguei em vários clubes e divisões, subi e desci de divisão e tive o prazer de jogar, mesmo depois desse percurso, no clube do Bairro com os meus amigos, o Castelo. Acho que não me falta nada.
CA – Nem a seleção nacional?
RC – Não. Sempre fui um bom guarda-redes, o que valeu alguns pontos mas faltou um “click” para poder ambicionar tal coisa. E Portugal está bem servido em termos de guarda-redes.
CA – Quando acabares a tua carreira, vês-te ligado ao Futsal? E ao Belenenses?
RC – Sim, é uma das minhas ideias. Disse uma vez ao Drula em conversa que depois de deixar de jogar haveria de treinar uma equipa de topo da primeira divisão. Agora, quando fiz o post no Facebook para me despedir dos adeptos e dos meus colegas, o Drula comentou algo como “aquilo que disseste um dia ainda se vai realizar” e era disso que ele estava a falar.
CA – Como é que vês o futuro do futsal do Belenenses?
RC – Acho que o futsal do Belenenses está bem entregue. As pessoas que aqui estão, como o NAF, são pessoas de quem só posso dizer bem: o Óscar, o Peters, o Ricardo, o Sr. Pedro, o Nuno Lopes, têm todos uma visão futurista da modalidade, o que faz com que exista a possibilidade de evolução no bom sentido para que se possa construir uma equipa que lute por algo mais. Mas há o capítulo financeiro e não nos podemos esquecer dele. As pessoas nunca se podem esquecer que, quando somos goleados pelo Benfica, por exemplo, talvez o guarda-redes deles ganhe mais que todo o plantel do Belenenses. Isso quer dizer alguma coisa. Tem de haver um meio termo. Não se pode exigir mundos e fundos a quem não tem uma base de maneio. Apesar de tudo vejo um futuro risonho para o clube. Têm um treinador que se preocupa em evoluir e que pode vir a ser um dos melhores. É meio caminho andado para o sucesso. Depois é preciso investir nas camadas jovens, apoiar e ter-se paciência.
CA – Qual foi o melhor e o pior momento com a camisola da Cruz de Cristo ao peito?
RC – Vou começar pelo pior para acabar bem. Divido o pior momento em dois: o pior, para mim foi o momento no balneário em que não reagi bem às críticas do treinador. O pior momento para o Belenenses e para mim, como pessoa, foi o falecimento do Sr. Moutinho. Foi, provavelmente, a coisa mais “bruta” que me aconteceu no futsal. A brutalidade dos acontecimentos daqueles minutos nunca me vai sair da cabeça, jogue, ou não jogue e, mesmo que viva mais 100 anos nunca me vou esquecer. Uma palavra para o Sr. Moutinho que era um grande homem. O melhor foi quando subimos de divisão no Algarve. São coisas que marcam. Ninguém acreditava que íamos subir, tínhamos pouco apoio, diziam que éramos uma equipa destinada ao insucesso e tínhamos ainda uma pressão adicional: se não subíssemos, muito provavelmente, acabariam com o secção. Jogar com esse pensamento, todas as semanas, era difícil.
CA – Por último, uma palavra aos adeptos do futsal do Belenenses e em geral.
RC – Para os adeptos do Belenenses e de Futsal, que venham, que apoiem e nunca desistam, independentemente do peso das derrotas. Pensem que o próximo jogo é sempre o mais importante. E, como uma mãe faz com um filho, mesmo quando ele se porta mal, depois da palmada vem sempre o carinho. (risos)
Obrigado, Roger! Boa sorte para o teu futuro e até a uma próxima!