// 20 de Julho de 2014
Após longos anos de espera, atrasos, recuos, atropelos e outras peripécias, era inaugurado o Complexo de Piscinas do Belenenses. Na inauguração, feita com pompa e circunstância, esteve presente o Presidente da República, tendo sido descerrada lápide comemorativa. Era o concretizar, finalmente, de um sonho com mais de 25 anos.
A natação do Belenenses começou em 1925, num velho tanque, carinhosamente apelidado de “caldo verde”, na parte Norte do Jardim Colonial, na Calçada do Galvão. Aliás, nele se apoiou durante décadas a fio. Aí aprenderam a nadar e treinaram muitos belenenses que deixariam o seu nome marcado na natação nacional, como Delfim da Cunha, João da Silva Marques, Ana Linheiro, José Freitas e tantos outros. O Belenenses foi pioneiro e um dos clubes fundadores da Associação de Natação de Lisboa, em 1930 e que viria a substituir a Delegação de Lisboa da Liga Portuguesa dos Amadores de Natação” e o “Núcleo de Lisboa da Federação Portuguesa de Natação”.
No final da década de 60, com o Estádio do Restelo e restante complexo desportivo do Belenenses resgatado pela Câmara Municipal de Lisboa, Portugal candidatara-se à organização da “Universíada». Na posse da Câmara Municipal de Lisboa os terrenos do Restelo foram seleccionados para a construção das piscinas que albergariam a importante competição. Iniciaram-se as obras mas a organização portuguesa viria a ser cancelada.
Apesar de estarem já fase de construção e de todo o investimento até aí feito, as obras pararam. Durante cerca de vinte anos as piscinas, ou o que delas já estava construído, ficaram a apodrecer. Com o Restelo devolvido em 1969, quis o Belenenses recuperar esta obra. Mas a Câmara nem se dignava responder.
Em 24 de Outubro de 1973, o Diário Popular, vespertino lisboeta, publicava o seguinte texto, que Acácio Rosa cita no seu “Factos Nomes e Números, 1960-84»:
“PISCINAS A APODRECER NA ZONA DO RESTELO!
(…) A Universíada (portuguesa) foi cancelada e as obras em curso paralizadas: nesse lote – a abater – ficaram as piscinas do Restelo. Todavia, dado o vultuoso empate de capital já aplicado, a opção de parar talvez tenha sido tomada um tanto precipitadamente. Hoje enterrada paredes-meias com um estádio cheio de gente, um envergonhado complexo desportivo… que não chegou a nascer. Desportivo e, sobretudo, de cultura física.
Apelo à Câmara Municipal
Não se sabe bem porque a obra estacou… perto do fim. Fala-se em falta de disponibilidades financeiras mas o certo é que o dinheiro já gasto bem justifica o ressurgimento dos trabalhos, aliás único processo de a população tirar o juro do capital empatado.
Ora, “Os Belenenses» já se mostraram interessados na exploração daquele complexo ginasta, para o que endereçaram ao Município de Lisboa o respectivo pedido. Porém, até hoje, nem resposta, nem recado. Entretanto, o equipamento deteriora-se dia a dia – está exposto ao rigor do tempo e já lá vão vários Invernos… – e as instalações danificam-se, num total desprezo pelo adiantadíssimo estado da construção, certamente agora na arrancada mais fácil!
E se a Câmara não quer dar-se ao trabalho de administrar as piscinas, pois que as entregue a “Os Belenenses», necessariamente com a condição de o público ter acesso ao recinto dispondo o clube de tempo limitado para treino dos seus atletas. Sim, porque nós não queremos acreditar que haja qualquer “Guerra do Alecrim e da Manjerona» por detrás de tão insólita paralização… E mesmo que haja mais do que uma colectividade a candidatar-se à concessão do empreendimento, das duas uma: ou se atendem compromissos assumidos, ou se reparte o mal pelas aldeias – o que deverá figurar como axioma é que os dinheiros públicos jamais poderão ser desaproveitados de modo tão flagrantemente chocante.
”Os Belenenses», por exemplo, treinam no tanque do Jardim do Ultramar e em Algés, e as gentes do populoso bairro do Restelo continuam sem piscinas. E o dinheiro já está quase todo gasto e, espantosamente, a apodrecer à vista do público, impotente!”.
No final de 1973, o Clube é praticamente obrigado a suspender a natação, visto estar impedido de utilizar o velho “Caldo Verde” por questões de higiene e saúde e pelo caro da solução de recorrer a piscinas alheias. E lembrar que as piscinas apodreciam no próprio Restelo…
Cresce então um movimento pela construção das piscinas, como atesta outro texto transcrito por Acácio Rosa no mesmo livro. Desta vez um texto do Jornal A Bola, publicado em 1974:
“Um sonho … hoje nado eu!
Por Vítor Serpa
Hoje nado eu … mas em seco. Não que não saiba nadar. Até poderia fazer o auto-elogio dos meus dotes natatórios, pois não seria o primeiro. No entanto, apenas direi que aprendi a dar as primeiras braçadas (quando ainda era um rechonchudo menino de 7 anos) no já naquela altura insuficiente tanque do Jardim do Ultramar – no tal que serviu de mostruário de crocodilos quando da exposição do Mundo Português. E como de lá tiraram os bichinhos, nele consegui iniciar-me na natação e, até cheguei a ganhar inchadamente, as minhas medalhas.
Pois não fui o único indígena belenense que aprendeu a nadar nesse tal tanque dos crocodilos que hoje é domicílio de dezenas de peixinhos assustados que se escondem debaixo da ponte a cada mergulho humano. Não senhor. Nessa fingida piscina, aprendem a nadar, todos os anos, várias dezenas de miúdos porque ali têm as suas escolas e ainda se treina o Clube de Futebol “Os Belenenses», que, até na própria natação, possui os seus pergaminhos, pois costumava, pelo menos no meu tempo, ser o grupo que mais se aproximava do Algés e Dafundo, o monopolista dos bons nadadores. Só lhes digo que tinha a sua graça ver a força de vontade de atletas e treinadores que, afincadamente, se batiam por se manter à frente de alguns donos de piscinas a sério.
Porém, os “carolas» acabaram ou, pelo menos, passaram a um número reduzido e certo é que a natação em Belém não mais conquistou lugar de projecção.
Há cerca de dois anos, no entanto, renasceu a esperança. E os jornais deram a notícia, com toque de sensação: “Uma piscina municipal no Restelo». Lá se foi construindo a piscina nos próprios terrenos do estádio precisamente no local do velho ringue de patinagem. Aconteceu, então, que, já em fase adiantada da obra, os trabalhos cessaram e deles apenas ficou um enorme buraco, que só tem água por altura das grandes chuvadas… que, mesmo assim, não chegaria para tapar os tornozelos dos mais pequeninos. E, francamente, aprender a nadar em seco é capaz de não dar muito resultado.
Já agora, quero acrescentar que a construção da piscina não só poderia beneficiar o clube, mas também muita gente da zona ocidental de Lisboa.
Ora, numa altura que as pessoas são comandadas por “slogans», parece-me oportuno evocar dois deles, todavia, com certas emendas : “Há mar e mar, há ir e voltar»… mas voltarão? Isso já não está na nossa mão. Que se façam as piscinas porque todos lucrarão.”.
Foram dez os anos em que a actividade da natação esteve praticamente interrompida. Apenas no final de 1983 foi retomada. No entanto, apenas no final dessa década, o projecto das piscinas ressurgiu.
Mesmo assim, houve ainda que passar por muitas peripécias que não cabe aqui reportar, até porque várias delas não foram agradáveis.
O Complexo de piscinas (acrescente-se que uma delas era Olímpica) foi apresentado desde sempre como uma oportunidade de não só providenciar aos nadadores do Belenenses condições ímpares de treino e competição, mas também uma oportunidade de aumentar a massa associativa e de potenciar o aumento de receitas. Durante alguns anos, sim, deram dinheiro e trouxeram sócios (coisa diferente de adeptos, em que porventura o saldo foi decepcionante). Quantos anos? Até quando? O que poderia ou não ter sido feito? Não é este o espaço para entrar em temas tão polémicos. Hoje, como se sabe, as piscinas estão fechadas.
Para além disso, contudo, uma homenagem indubitavelmente se impõe – a todos aqueles que honesta e denodadamente mantiveram o sonho vivo e o traduziram em obra que foi motivo de orgulho.
NG + JMA
Via: Os Belenenses