‘Annihilation’ (Aniquilação) é o novo filme de Alex Garland, realizador de ‘Ex-Machina’ e argumentista de ’28 Days Later’, e pode muito bem ser um dos melhores filmes do ano e uma referência no género sci-fi. E pode vê-lo sem sair do sofá. Disponível na Netflix a partir de hoje.
E se de repente nos vemos confrontados com uma ameaça que é capaz de aniquilar o status quo a que nos habituámos? Estarei a falar da premissa maior de ‘Annihilation’ ou estarei a falar da ameaça dos serviços de streaming (aqui em concreto a Netflix) em relação às salas de cinema? Ao bom estilo de Alex Garland neste filme, vou expandir esta análise a outros temas que poderão ser exteriores ao filme em si, mas que estão relacionados com a distribuição do mesmo.
O novo projecto de Garland era esperado com muita expectativa por todos os amantes do sci-fi e todos os que gostam de cinema e viram a obra estrondosa que é ‘Ex-Machina’. No entanto, quando se soube que o filme iria estrear directamente na Netflix sem passar pelas salas de cinema na maior parte dos países (apenas nos EUA e na China teve estreia nos cinemas), muitos narizes se franziram, suspeitando da eventual pouca qualidade do filme. Depois da má crítica à ‘The Cloverfield Paradox’, a ideia de transpor um grande lançamento cinematográfico directamente para a Netflix fez recordar muitos filmes que eram distribuídos directamente em VHS ou em DVD porque a qualidade não era suficiente para tranquilizar os estúdios.
‘Annihilation’ prova que a suspeita era infundada. O conflito de ideias entre os produtores levou a que o filme tivesse este lançamento “misto”, mas não é um sinal de inferiorização do filme em relação a outros no mercado. É se calhar um comprovativo do estado actual do cinema. Os filmes mais intelectuais e de orçamentos médios têm cada vez menos espaço nas salas, havendo cada vez mais uma preferência pelos grandes blockbusters. Esta é uma ideia que muitos estúdios partilham entre si. E o que poderia significar como a morte deste género de filmes, poderá resultar num ressurgimento através dos serviços de streaming.
Voltando a falar do filme propriamente dito, ‘Annihilation’ é uma adaptação do primeiro livro da trilogia de Jeff VanderMeer, ‘Southern Reach Trilogy’ e conta a história de Lena (Natalie Portman), uma bióloga e antiga soldada, que se junta a uma missão para descobrir o que aconteceu ao seu marido, Kane (Oscar Isaac) dentro da Area X, onde um fenómeno misterioso chamado “The Shimmer” decorre e que se está a espalhar pela América, sendo que a zona está repleta de criaturas mutantes. Lena é acompanhada nessa missão por Dr. Ventress, psicóloga e líder da missão (Jennifer Jason Leigh), Anya Thorensen, paramédica (Gina Rodriguez), Josie Radek, física (Tessa Thompson) e Tuva Novotny, geóloga (Cass Sheppard).
É neste mistério que vamos conhecendo as personagens e os arcos de cada uma, com especial destaque para Lena e a sua relação com o seu esposo. Aqui encontra-se provavelmente um dos pontos fracos do filme. Ao longo das duas horas de filme, pouco sabemos das outras personagens e das suas motivações para entrarem na missão (quase) suicida. E quando de facto temos alguma exposição sobre as motivações de cada uma, não são muito esclarecedoras. E também o facto de cada uma ter (supostamente) uma função mais especializada na missão, não é abordado. O que acaba por resultar num produto final um pouco confuso e que parece padecer de uma edição longe de perfeita.
Depois de abordar os pontos fracos, posso dizer que ‘Annihilation’ conseguiu oferecer-me a minha dose de sci-fi de grande qualidade que tinha sido reposta em filmes como ‘Arrival’, ‘Blade Runner 2049’ ou até mesmo em ‘Ex-Machina’. Se é fã de filmes sci-fi, vai ficar bem servido com a nova película de Alex Garland. A narrativa faz-nos pensar de início ao fim sobre o que está a acontecer, e o final deixa o espectador imediatamente a querer mais. A vida de Lena e a desconstrução da sua relação com Kane ao longo do filme leva-nos ao ponto de deduzir que Garland não está tão interessado no surrealismo e mistério em que o filme está envolto, mas sim na condição humana e os erros que cometemos ao longo das nossas vidas. E esta é um dos grandes trunfos de ‘Annihilation’, a forma como consegue jogar com muitos temas diversos e no entanto ser uma história coerente em todas as vertentes. Garland consegue explorar os medos universais que a raça humana tem e conjugá-los com a vida de cada pessoa e compará-los com a sociedade actual.
Visualmente o filme impressiona, tanto pela fauna mutante como por algumas sequências psicadélicas do mais bonito que se viu no cinema. O elenco, quase todo feminino, é extremamente competente e oferece prestações muito boas, destacando-se Natalie Portman, que parece ser a melhor actriz da sua geração em Hollywood e que tem estado numa boa forma ultimamente. Ao nível musical, a banda-sonora ajuda imenso na construção da ambiência do filme, e a utilização das músicas dos Moderat e dos Crosby, Stills & Nash assumem importância significativa nas cenas em que aparecem.
‘Annihilation’ é um filme que perdurará na memória de muita gente e poderá ser um forte candidato a melhor filme de 2018, apesar de algumas falhas identificáveis. Alex Garland volta novamente a fazer das suas, contando com um elenco forte, visuais estonteantes e banda-sonora absorvente. ‘Annihilation’ poderá ser mais um passo importante na consolidação dos serviços de streaming perante o público.