“Alice no País das Sapatilhas” é a história de Alice Soares, uma jovem que “vive e respira” na blogosfera e nas redes sociais. Quando a jovem lisboeta se vê obrigada a sair da capital para morar num local remoto em Trás-os-Montes terá que se adaptar a uma vida rural diferente da sua vida citadina. Irá Alice sobreviver a um estilo de vida “offline” ou fazer os possíveis por voltar a Lisboa para a vida que sempre conheceu?
NOTA: A seguinte crítica poderá conter revelações sobre o enredo.
Começo desde já por salientar que, sendo este um livro mais dirigido a adolescentes, há determinados “clichés” que são inevitáveis neste género de história. Se, como eu, já tiverem lido vários livros juvenis (ou outros géneros de leituras mais “pesadas”) há certas situações que já estão a prever que aconteçam 50 páginas antes.
Entre os quais a protagonista que começa por ter tudo (incluindo amigas e namorado), mas depois se vê revoltada e sem nada, o drama criado com a mudança radical de vida, a “bully” na nova escola que antipatiza de imediato com a protagonista, a amiga tímida, mas leal e, claro, o rapaz que irrita a rapariga, o que significa que no fim acabam juntos. Toda a história é, na sua essência, algo que já ouvimos várias vezes: é focado numa personagem que está habituada a ter tudo e ao ver-se numa situação de vida oposta à que está habituada eventualmente muda, tornando-se mais humilde e apreciando a vida de outra forma.
Estes fatores poderão tornar a leitura um pouco previsível para os leitores mais velhos que peguem nesta obra. Ainda assim tal não quer dizer que a história não esteja ciente da era na qual é contada nem que não tenha qualidades que a tornem distinta de outras histórias similares.
A própria protagonista à primeira pode parecer para alguns como a típica adolescente fútil, mimada e egoísta que ferve em pouca água. Contudo, neste caso o que me impediu de a detestar de imediato foram outras qualidades que a personagem tem desde o começo. Além de estar bem ciente da era em que vive, bem como de saber tirar proveito disso, tem ideias dinâmicas (nomeadamente ligadas à moda) e um afeto genuíno pelos seus entes queridos e amigos. Já para não falar que a personagem vai mudando a sua forma de estar e ver o mundo, passando de um feitio mais arrogante, a um mais humilde.
Mesmo os diálogos não são (na sua maior parte) demasiado exagerados. Há determinadas conversas tidas pelas personagens, quer em diálogo quer por mensagem que imagino realmente um jovem a ter atualmente. A tendência de misturar palavras inglesas com portuguesas ou o uso de siglas (LOL) pode parecer estapafúrdio para alguns, mas, por incrível que possa parecer aos mais “letrados”, há jovens atualmente (no secundário e até na universidade) que falam das mesmas formas que as personagens nesta história.
Sendo uma história na primeira pessoa, é normal que a personagem principal seja aquela na qual se note maior desenvolvimento e mudanças pessoais. As restantes personagens, apesar de se notar as suas personalidades distintas, nota-se que são muito unidimensionais, quer os mais jovens, quer os mais velhos. Mas com este aspeto da história não serei muito cruel, visto que se trata de um defeito comum a muitos livros contados na primeira pessoa.
No que toca ao ritmo da história, embora eu tenha considerado este livro como uma leitura “leve” e com descrições muito breves, neste caso consigo entender, tendo em conta a faixa etária à qual a história se dirige. Como a própria autora disse em entrevista, e passo a citar, “Os jovens querem uma leitura fácil, que remeta imediatamente para imagens, e a Alice dá-lhes precisamente isso”. E não há absolutamente nada de errado com esse tipo de leitura e eu até diria que acaba por tornar a experiência mais fácil de de desfrutar. E, claro, a qualidade da escrita, apesar de simples, neste caso funciona a favor da obra.
Apesar de não ser o meu género predileto de leitura “Alice no País das Sapatilhas” não foi de todo uma experiência desagradável para mim. Sendo eu uma leitora adulta, claro que haveriam vários aspetos nesta história que eu já adivinhava ao ler a trama na contracapa. Ainda assim o livro apresenta-se com uma escrita decente e bastante acessível a adolescentes, especialmente aos que não têm hábitos de leitura recorrente. Já para não falar que a obra dá uma lição que convém dar a muitos jovens que convivem de perto com as redes sociais: sim, é possível sobreviver e viver (realmente!) sem estar sempre com o computador ou o telemóvel como janelas para o mundo atual.