Numa altura em que os estúdios norte-americanos adiam a estreia de produções de elevado orçamento para 2021 e 2022, como “No Time To Die”, “Dune” e “The Batman”, ou transferem as estreias das salas de cinema para as plataformas de ‘streaming’, como aconteceu já com “Mulan”, os exibidores e distribuidores portugueses contactados pela Lusa falam numa engenharia criativa para programar em sala e tentar sobreviver a um ano de grandes quebras.
Américo Santos, que explora o Cinema Trindade, no Porto, fala nesse espírito de criatividade a programar, entre estreias, reposições e ciclos temáticos.
“Não dependemos das grandes produções. Estamos vocacionados para o cinema independente, que tem capacidade de contornar essas dificuldades. Temos propostas mais amplas, para chegar a um público cinéfilo, mais exigente”, afirmou.
O Trindade reabriu portas em junho, com lotação limitada a 80 espectadores e com um “funcionamento estável, a dialogar com um público próprio”, mas a programação é feita com prudência e com um horizonte curto, por causa da própria evolução da pandemia.
“Estamos com uma programação de estreias e ciclos até dezembro. Para 2021 ainda não sabemos. […] Se não houver estreias de qualidade isso terá consequências na exibição”, alertou.
O nível de apreensão é diferente para a empresa NOS, líder em Portugal tanto no mercado da exibição como da distribuição cinematográfica, com perdas de mais de 70% em receitas de bilheteira e de espectadores nos dois segmentos.
De acordo com os dados do Instituto do Cinema e Audiovisual, entre janeiro e setembro deste ano as salas de cinema registaram 3,2 milhões de espectadores e 2,2 milhões de euros de receita de bilheteira, ou seja, uma quebra de 71% face ao mesmo período de 2019, provocada pelo encerramento das salas entre meados de março e junho.
Em declarações à Lusa, o administrador da NOS responsável por estes dois pelouros, Luís Nascimento, fala de uma tentativa de otimização de custos, sobretudo na negociação de rendas com os centros comerciais – onde estão localizadas as mais de 200 salas da empresa – e na dinamização do mercado para levar os portugueses “o mais depressa possível às salas”.
“Andamos numa lógica de contas à vida e de poupar em tudo o que podemos, exceto nos temas de segurança”, disse.
Se a situação de “insustentabilidade temporária se tornar estrutural, aí sim podemos ter que decidir que há determinados cinemas que pode não fazer sentido continuar, ou cinemas que não tenham tantas salas. Mas isso é um último recurso que, muito lá para a frente, iremos pensar”, acrescentou.
Apesar dos aumentos de casos de infeção ao longo das últimas semanas, Luís Nascimento reforça a ideia de que é seguro ir ao cinema, mesmo com consumo de pipocas e refrigerantes: “Ir ao cinema é uma experiência de entretenimento. Para muitos portugueses um não se dissocia de outro. […] É essencial regressar à cultura, para atenuar os estragos que a pandemia tem vindo a provocar”.
Um dos problemas da resposta da exibição em Portugal à crise global na indústria cinematográfica é, segundo Luís Nascimento, a dependência das estreias de filmes estrangeiros, em particular da produção norte-americana, porque o cinema português “tem um impacto reduzido no número de espectadores, ao contrário de Espanha ou Itália”.
“Se não temos filmes de grandes produções para estrear, já estamos com um problema grave que não dominamos. Estamos dependentes. O que estamos a fazer é a tentar diversificar os conteúdos das salas, tentando buscar outro público, mas o facto que não haver produto é um problema”, admitiu.
A NOS reabriu as salas apenas em julho e anunciou a estreia e distribuição de mais de uma dezena de filmes portugueses até ao final do ano, mas a verdade é que os valores de espectadores não são os suficientes para compensar as perdas de 2020.
Dos 167 filmes estreados este ano em sala, 17 foram portugueses, o que representa uma quota de 10%.
A NOS está ainda a estudar duas soluções, duas “ideias temporárias” para atrair mais público, vender mais bilhetes e manter as salas abertas: Ter dois dias semanais de preços especiais e alugar salas para grupos, para o “segmento de pessoas que estão desconfortáveis em estarem com outros” desconhecidos numa sala de cinema.
Nuno Gonçalves, um dos responsáveis da distribuidora Cinemundo, está convicto que a pandemia vai obrigar a uma reflexão de futuro sobre a atividade.
“É um pensamento profundo, não é com medidas avulsas, não é dizer ‘vamos lá apoiar dez filmes portugueses’ que a coisa vai funcionar. […] Não há salas a mais, o mercado da exibição estará mal estruturado ao nível de opções de filmes. Faria sentido que alguns cinemas se especializassem”, disse à agência Lusa.
A Cinemundo, que em 2019 foi a quarta distribuidora em termos de bilheteira e espectadores, com 3,7 milhões de euros e 724 mil entradas, respetivamente, está neste altura “a fazer um esforço de lançar” um filme por semana num mercado alimentado por filmes independentes.
Se os cinemas não voltarem a fechar, ressalva, a Cinemundo destaca três produções a estrearem-se em sala até ao final do ano: As animações “Trolls” e “Croods” e o filme português “Bem Bom”.
“A covid-19 nas próximas semanas não vai evoluir positivamente. Temos que garantir que os cinemas estão abertos até ao início do próximo ano, portanto temos que colocar produto no mercado”, sublinhou Nuno Gonçalves.
Do lado da UCI Cinemas, a segunda maior exibidora portuguesa, a reabertura dos três complexos que explora foi faseada entre julho e agosto e apenas estão a funcionar 60% das 45 salas, com trabalhadores ainda em ‘lay off’.
O que a exibidora está a fazer também é tentar reposições de filmes, programações temáticas e conteúdos alternativos, como a exibição de filmes-concertos. “Embora isto não seja panaceia para o problema”, afirmou Paulo Aguiar, responsável pela UCI Cinemas.
Esta exibidora pertence à Odeon Cinemas, que por sua vez pertence à empresa norte-americana AMC Theatres, com sede nos Estados Unidos, onde é líder de mercado. Paulo Aguiar diz que o encerramento de salas não está ponderado, “mas pode acontecer”.
“Nós, que estávamos habituados a programar no mínimo trimestralmente, passámos a semanal e agora é quase a cada dia perceber o que se pode fazer”, disse.
A expectativa é conseguir chegar a dezembro, ter uma oferta “minimamente aceitável”, a pensar sobretudo em famílias, mas a exibição vai depender também da evolução da economia e do impacto na vida dos portugueses.
TEXTO: Lusa