Uncut Gems dos irmãos Safdie já está disponível na Netflix e conta com uma prestação inesquecível por parte de Adam Sandler. Um dos grandes esquecidos nas nomeações dos Oscars? Leia aqui a nossa crítica.
Crítica feita por: Bernardo Freire (Visão de um Crítico)
Um ator é, de forma redutora, alguém que entrega e interpreta o que está escrito numa página: O que diz, o que faz e como o faz. Por ser difícil superar estas limitações, parte da excelência do seu trabalho depende da matéria-prima em causa. Ano após ano Adam Sandler foi circunscrito a narrativas cómicas descartáveis, ao ponto de não haver distinção entre a insignificância do filme e a sua prestação no mesmo. Uncut Gems vem provar que o ator certo, no papel apropriado, nas mãos de realizadores capazes, é uma fórmula irresistível.
Os irmãos Benny e Josh Safdie não são os primeiros a extrair o potencial máximo de Sandler. Já Paul Thomas Anderson em Punch-Drunk Love (2002) tinha provado que o ator merecia papéis que representassem melhor os seus valores artísticos, mas aqui o feito ainda é maior: Nada mais, nada menos, que o pináculo da sua carreira até à data.
Howard (Sandler) é o dono de uma joalharia em Nova Iorque que não consegue esquivar-se dos seus vícios. O jogo é a sua principal demência, o que o faz ficar em dívida com colegas, rufias e família, incluindo Arno (Eric Bogosian), que está pronto para lhe tratar da saúde caso a sua fortuna não seja restituída. No decurso de um plano para se livrar das suas obrigações financeiras, Howard toma posse de uma opala etíope em bruto, um mineral raro, que pretende vender num leilão. Contudo, a estrela de NBA Kevin Garnett, obcecada pelo mineral, fica com ele numa noite de jogo para lhe dar sorte e deixa Howard a lidar com os bandidos que anseiam pelo dinheiro que lhes é devido.
Sem mais rodeios, Uncut Gems é o equivalente a um shot de adrenalina. A ação não tem um ponto baixo e quando acelera parece que o caos se torna num género cinematográfico. Neste aspeto faz recordar mother! (2017), que apesar do acumular das metáforas consegue agonizar com tamanha estranheza e intensidade. Gems aposta forte no ângulo da intensidade, misturando vários pontos do enredo em diversas cenas de modo a dificultar a vida do protagonista.
Os louvores a Sandler continuam neste parágrafo porque de facto merecem que sejam salientados. Isto porque a par do filme o ator mantém a atitude enérgica que um viciado em declínio teria, caso a sua última esperança dependesse sempre da jogada seguinte. É ver para crer. No entanto, este ataque aos sentidos requer de igual modo o empenho do elenco secundário, algo que está presente mesmo na estreante Julia Fox, que no papel de namorada de Howard proporciona bons momentos de humor.
Depois de Good Time (2017), os irmãos Safdie elevam a fasquia com uma produção da Netflix e da A24 que não precisa de cafeína. Entretém constantemente, faz um comentário relevante sobre os perigos do dinheiro fácil e da dependência emotiva que o jogo acarreta. Surpreende tanto quanto a performance do protagonista, que num papel dramático e talhado à sua medida prova mais uma vez que é uma jóia que não precisa de polimento.