The Last of Us Parte II chega-nos sete anos após o original ter conquistado a crítica e os jogadores. Uma sequela intensa, arrebatadora e que vai deixar o jogador agarrado ao comando até o acabar.
Estamos a poucos meses de assistir à chegada da nona geração de consolas e desde a primeira, iniciada em 1972, milhões de pessoas pelo mundo fora experimentaram várias aventuras e experiências ligadas ao mundo dos videojogos. No entanto, The Last of Us, lançado em 2013, conseguiu surpreender todos os que tiveram a possibilidade de o jogar pela representação de uma história, que embora não sendo original, transpirava humanidade por todos os seus poros, levando os jogadores a viver uma experiência sobre a qual não podiam ficar indiferentes.
O jogo conquistou vários prémios, sendo considerado por muitos como o melhor título da sétima geração de consolas. Em The Last of Us podemos ver florescer uma relação humana e paternal entre Joel e Ellie, enquanto o mundo se via a braços com uma epidemia sem precedentes. No final do primeiro jogo, Joel teve de tomar uma decisão tão complicada que nos remete a nós, jogadores, com um dilema moral do qual não conseguimos resolver eficazmente.
Desde o momento em que os créditos do jogo original passaram, a maioria dos fãs do título pretendiam saber o que iria acontecer às personagens que rapidamente passaram a aceitar como suas. The Last of Us (que agora ficará conhecido como Parte I) não era um jogo perfeito, mas era uma obra-prima inegável que se aproximava muito da perfeição.
Por isso, continuar a história deste universo seria sempre uma tarefa hercúlea para a Naughty Dog, principalmente, tendo demorado 7 anos a fazê-lo. Para desenvolver uma nova obra que mexesse em algo que foi tão importante para os jogadores como foi para a equipa que o desenvolveu teria de haver uma história que Neil Druckmann quisesse de facto contar.
E eis que chegámos a The Last of Us Parte II. Começamos o jogo em Jackson, a nova residência comunitária de Ellie, Joel e Tommy cinco anos após os acontecimentos do primeiro jogo. Vemos Ellie numa fase avançada da sua adolescência com um tratamento em relação a Joel diferente do que estávamos habituados, resultado das suas vivências anteriores. O início do jogo liga de forma directa o final do anterior com o momento actual das personagens, mas só ao longo da história nos vamos apercebendo do que se passou nesse intervalo de tempo.
The Last of Us Parte II é uma história de vingança, e isso fica latente logo nas primeiras horas da trama. Ao contrário da Parte I, em que éramos incubidos de realizar uma missão com o qual simpatizávamos desde início, em The Last of Us Parte II a premissa é violência pura e vingança a todo o custo. Sem revelar partes da história relevantes ou tocar em spoilers que possam estragar a experiência do jogo aos nossos leitores, poderemos dizer que a história deste jogo baseia-se no ciclo da violência, ciclo esse justificado pela sociedade onde estas personagens vivem e o quão humanas são, neste mundo desequilibrado.
Nem sempre concordaremos com as atitudes tomadas, nem sempre queremos que os nossos dedos executem certas acções, mas The Last of Us Parte II quer que sintas isso mesmo. Quer que o jogador questione as motivações por trás de cada decisão, e quer que o jogador se sinta desconfortável ao tomar essas mesmas decisões, ao mesmo tempo que consiga compreender os diferentes lados de uma disputa, de uma forma completamente inovadora no mundo dos videojogos.
A história que Neil Druckmann esboçou para este jogo é complexa e que poderá causar polémica entre os fãs de The Last of Us, mas é, no seu todo, uma história original e que consegue caber perfeitamente neste universo. Nada em The Last of Us Parte II me fez sentir que as linhas que foram delineadas no primeiro foram ultrapassadas. Não será provavelmente a história que os fãs quereriam ver nesta continuação, mas foi a decisão que a Naughty Dog tomou, correndo os riscos que esta continuação iria acarretar. Mas é uma história que fará o jogador passar por uma pletora de emoções, passando rapidamente da felicidade até à irritação ou desespero.
Falando do jogo em si, a jogabilidade em The Last of Us Parte II é um mimo, uma experiência altamente melhorada em comparação com o original, permitindo ao jogador encarar cada obstáculo e inimigo como bem entender, oferecendo uma caixa de ferramentas fluída, com que é possível jogar num modo mais furtivo ou num modo mais ofensivo, sem que nos sintamos desequilibrados.
Tendo jogado em Hard, deparei-me com várias situações em que o confronto directo não era a melhor opção, e vice-versa. A estratégia irá variar de caso para caso, e será interessante ver como os vários jogadores irão encarar os desafios que terão pela frente.
O que também ajuda a esta liberdade de estratégias e de movimentos é facto do mundo deste jogo ser muito mais aberto que o anterior. Não deixa de ser um jogo linear na sua génese, mas tem um mundo livre para ser explorado e para se engendrarem vários caminhos para atingir os objectivos.
As mecânicas apresentadas em The Last of Us Parte II não diferem por demasia do jogo original, sendo assim fácil de pegar para quem regressa a este universo, mas há algumas diferenças positivas como a movimentação mais fluída das personagens, e a disponibilidade de novas ferramentas para conseguir passar incólume perante as ameaças.
Uma das mecânicas que foi melhorada foi a do combate corpo-a-corpo, em que nos podemos esquivar e atacar com animações mais realistas e que conferem uma sensação de novidade sempre que decidimos atacar alguém (ou algo) dessa forma. E falando das animações, há um trabalho extraordinário por parte da Naughty Dog para passar essa ideia de que a física do jogo é realista, pois se nos atirarmos de uma ravina até cá abaixo, as animações de queda serão diferentes, evitando haver repetição nos movimentos e animações. É mais uma prova da atenção ao detalhe da Naughty Dog.
Continuam a existir neste título as mecânicas de crafting, o que faz com grande parte do tempo do jogo seja passado à procura de itens que possam dar uma ajuda suplementar ou revelarem-se mesmo como ajuda obrigatória. O sistema de crafting continua a ser bastante simples, não estamos aqui perante um esquema elaborado típica de um RPG, mas é eficaz e é divertido andar à procura destes “ingredientes” que tanto poderão ajudar a construir um supressor para a pistola como servir de melhoria da mira de uma espingarda.
Os itens diferem pelo mundo, uns ajudam a construir armas, outros a melhorar armas de fogo que já possuimos e outros que permitem aprendermos habilidades novas que poderão vir a ser úteis ao longo do jogo.
Para além desses objectos, também é possível encontrar coleccionáveis espalhados pelo mapa do jogo e que podem servir de auxílio à compreensão do universo. Se na maior parte dos jogos, este mecanismo narrativo não oferece nada de novo à trama principal, em The Last of Us Parte II é difícil ler certas notas ou mensagens deixadas para trás por parte de alguém com o qual provavelmente não nos cruzamos, mas que sabemos que já terá morrido. Só é possível haver este nível de ligação emocional devido à boa escrita empregue até nestes pequenos detalhes que poderão escapar aos olhos de muitos jogadores.
O universo do jogo é muito bem representado, transmitindo agora melhor a ideia de que este mundo é um mundo parado em 2013, com referências a acontecimentos culturais dessa época, como por exemplo posters do álbum “Lightning Bolt” dos Pearl Jam em Seattle, PS Vita e PS3 espalhadas pelas casas dos habitantes ou ainda máquinas arcada de Jak X: Combat Racing (e não é a única referência a Jak and Daxter, querem-nos dizer algo Naughty Dog?). Tudo isto fundido com surtos de Infectados e de grupos a tentarem sobreviver, acabando muitas das vezes por destruirem o mundo que habitam.
Outro dos pontos menos positivos que era apontado ao original era a Inteligência Artificial dos inimigos, fossem eles Infectados ou Humanos, ou melhor a falta dela em muitos casos. Não era raro vermos a Ellie a correr de um lado para o outro e os Inimigos nem sequer reparavam, o que acabava por quebrar um pouco a imersão da Parte I.
Neste The Last of Us Parte II nota-se que foi feito um grande trabalho a melhorar essa vertente, e não raras vezes fui surpreendido pela IA dos adversários. Se por exemplo matarmos um inimigo que pertence a um grupo, os restantes elementos reparam pela sua falta e ficam em estado de alerta, ou por exemplo, se tivermos debaixo de uma cama com a lanterna ligada, eles poderão lá espreitar e encontrar-nos. É de facto uma das grandes evoluções nesta sequela.
A nível gráfico, The Last of Us Parte II puxa os limites do poder do processamento da PS4, sendo que os modelos apresentam uma fidelidade gráfica pouco habitual. O detalhe que a Naughty Dog proporciona a cada personagem é incrível, e nos momentos de acção mais intensos acaba por ajudar a sentir o momento, deixando-nos não poucas vezes enojados com as mortes e com a violência gratuita aliada ao som também muito bem trabalhado por parte da Naughty Dog.
Se há algo que achei que ficou claramente aquém neste jogo em comparação com o original, é a banda-sonora. Não foi tão impactante como o primeiro havia sido. Claro que isto é a minha opinião, e poderei ter estado tão extasiado com todas as outras vertentes do jogo, mas a verdade é que esta não se destacou tanto nas quase 30 horas que tenho de jogo (22 horas para compeletar a história e mais umas horas a reviver alguns capítulos).
O voice acting é por sua vez do melhor que já se viu na indústria. O elenco escolhido consegue transmitir sempre as emoções que a história pede através das suas vozes, sente-se que quem está ali não são meras personagens digitais, mas alguém com pele e osso.
Terminei The Last of Us Parte II na passada madrugada e tão depressa não consegui adormecer. É muito raro quando um jogo ou até mesmo outra obra de outros meios de entretenimento nos conseguem estremecer de tal forma.
The Last of Us Parte II não é certamente um jogo para ser jogado de ânimo leve, mas é obrigatório para quem gosta de videojogos, e para quem gosta de entretenimento. Se eu concordo com o caminho com a história tomou? Ainda não sei. Se esperava que a história fosse esta? Não. É polémico? Provavelmente.
Mas fui surpreendido. Fui desafiado. A Naughty Dog pegou num universo que é adorado por muitos (eu incluído) e deu-lhe mais umas camadas de profundidade que poderia até não precisar, mas que são muito bem-vindas. The Last of Us Parte II é um jogo mais violento, assustador e inquietante que o primeiro e consegue corresponder a (quase) todas as expectativas que estavam em cima.
Várias horas depois, não consigo não pensar no jogo e nos riscos que a Naughty Dog tomou para tornar esta sequela num candidato fortíssimo a melhor jogo do ano e da geração. The Last of Us Parte II é arrebatador, extraordinário, arriscado, e no fundo, uma experiência sem igual na Playstation 4.